{crônica em cor}
a maternidade não é divina. A maternidade é humana. Ela acontece por meio de uma mulher, de um ser humano. Por se tratar, assim, de uma relação humana, a maternidade não é perfeita. A ideologia da maternidade é uma farsa. Quem é mãe sabe que é. Ser mãe é difícil. Dói, no corpo e na alma. Ser mãe não é fácil. .
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desde que engravidei, vivo a minha maternidade. Não aquela que me contaram, não aquela que eu vi nas revistas, não aquela que pintaram um dia. Vivo a minha maternidade. Vivo ela com as nuances de cor e humor que ela apresenta. Vivo na carne, não na crença. Vivo no seu substrato, não na sua superfície. Ser mãe é difícil. Ser mãe cansa, de corpo e alma. .
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ao me ver mãe, olhei para minha mãe. É inevitável esse olho no olho. Lembro até hoje do dia em que contei a ela da minha gravidez, chorando, angustiada, assustada, eu disse: “mãe, eu te perdoo por qualquer coisa que tenha sentido quando recebeu a notícia de que estava grávida. Te perdoo por qualquer coisa mesmo que tenha passado pela sua cabeça. Te perdoo. Você me perdoa?”. E choramos, muito. Era como se eu tentasse salvar minha mãe e me salvar também. .
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desde que nasceu, Malu me viu ser humano. Não divina. Me viu doando meu corpo para alimentá-la, me viu chorando pela casa por conta das noites em claro, me viu indo ao banheiro e sentindo medo. Malu segue me vendo como ser humano. Um ser humano que a ama desesperadamente, mas um ser humano que, na sua complexidade, pluralidade e paradoxo, deseja outras coisas, se realiza em outras coisas, que quer ir, ficar longe, pecar e depois aglutinar. A maternidade não é divina. Eu não sou. Minha mãe não é. A sua também não.
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ao escolher viver a minha maternidade, escolho pela minha crueza com Malu. E com o mundo. É preciso escancarar se a gente quer mudar. Nos contam de forma cínica mentirosa que a maternidade é rosa. Não é. Ela pode ser um céu cinza, sobretudo quando não se tem amparo nenhum. Nem do pai, nem da família, nem do Estado. Às vezes, quando a gente se revolta, as pessoas se assustam e acham que estamos sofrendo. E de fato estamos. A minha maternidade é política. .
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Malu, humanamente, eu te amo, filha.
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